Justamente quando decorei todas as respostas da vida, mudaram todas as perguntas. [Américo Marques Ferreira]
Como alguns sabem, e outros hão-de já ter reparado, sou de natureza questionadora. Já não sei se se trata de simples retorno à idade dos porquês ou se, pura e simplesmente, dela nunca terei saído! Seja como for, tal como naquele estádio da nossa infância, estou em fase de reconhecimento. Fui sentar-me numa confortável mesa de café onde estive em amena cavaqueira com a dona. Vale a pena ler a trama que ronda este diálogo. Vale a pena perceber a legitimidade e a força das respostas que encontrei…
(...)
Eu: Como podemos amar sem nos entregarmos?
Ela: Quase da mesma forma em que nos devemos entregar sem amarmos realmente mas é diferente... é quase o contrário!
Eu: Mas o amor e a entrega inconsciente não andam de mãos dadas?
Ela: Claro que andam, mas nós podemos baralhá-los um bocadinho; fazemos com que a entrega insconsciente se distraia sem querer...
Eu: Isso significa que temos de dividir a entrega por vários receptores?
Ela: Não, nem por isso. É assim: a entrega inconsciente vai tomar café com a entrega consciente. Conversam e a entrega inconsciente começa a pensar duas vezes no que está a fazer, tornando-se um pouco mais consciente dentro da sua inconsciência!
Eu: Na prática, em que é que isso se traduz? Deveremos realmente ser mais retraídos?
Ela: Não se trata bem de uma retracção, mas antes de um estudo. Ao sabermos com o que podemos contar, como as outras pessoas lidam connosco e o que elas querem em relação a nós, estamos a criar defesas próprias para enfrentar possíveis imprevistos que possam acontecer. As conversas a dois e os "pontos de situação" da relação ajudam muito!
Eu: [pensativa...]
Ela: O grau de entrega vai depender do comportamento das outras pessoas em relação a nós e o seu progresso. Quando nos entregamos numa relação, esperamos sempre qualquer coisa dela porque algo nos atrai, porque algo nos quer transmitir segurança. Essa segurança vai crescendo à medida que as outras pessoas nos vão dando a conhecer como elas realmente são.
Eu: E se as outras pessoas não falam, antes erguem defesas? Construímos um monólogo em frente de um escudo?
Ela: As outras pessoas podem não falar, não querer falar, ignorar se falamos com elas, mas no seu íntimo elas simplesmente não percebem o que lhe está a acontecer. Cometemos muitas vezes o erro de, numa discussão, apontarmos o dedo ao que nos fizeram / fazem, o que faz com que a pessoa "acusada" se sinta irritada, incomodada e desorientada. Numa discussão devemos antes falarmos em nós, em como nos sentimos face às atitudes dessa pessoa, em como tentamos lidar com elas mas não conseguimos sozinhas abraçarmo-nos quando perdemos as forças.
Eu: Então onde está o segredo da harmonia? Devemos observar mais em vez de agir? Porque se remarmos com muita força podemos ficar cansados e acabar por, inconscientemente, exigir o mesmo esforço físico, mental e psicológico às outras pessoas!
Ela: As relações crescem a pouco e pouco e, quase ao mesmo ritmo, vamos conhecendo as outras pessoas, vamos conhecendo os seus comportamentos, as suas personalidades, os seus defeitos e as diferenças que possuem em relação a nós. Da mesma maneira que a relação evolui, nós vamo-nos adaptando às outras pessoas e elas a nós. Quando damos algo, inconscientemente, exigimos algo em troca; numa relação não podemos esperar que as outras pessoas se esforcem tanto como nós, para que ela resulte, simplesmente precisamos de sentir que, de alguma forma, as outras pessoas se dedicam realmente à relação como nós, através de que meio for.
Eu: E se nunca chegarmos a sentir esse esforço, seja de que maneira for? É nessa altura que devemos "abandonar o barco"?
Ela: Romanticamente poderia dizer que o barco nunca deve ser abandonado enquanto ainda existir o sentimento. O esforço se não for notado, terá que ser dialogado ou mesmo discutido. Quando numa relação uma das pessoas manobra o barco atravessando as tempestades, conduzindo o barco na calmaria, nunca abandonando o leme, enquanto a outra se limita a apanhar sol e ajudar com as velas, é como se ela já não estivesse realmente no barco.
Eu: Depois de tudo isto, há uma questão que impera: será que alguém merece que realmente nos retraiamos por uma questão de luta pela sobrevivência da relação, ou deveremos esperar por outro alguém que tenha sede de nós, com todas as coisas que temos para dar? Etiquetas: Vida Real
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