Saí esbaforida naquele dia. Apressei-me pelas escadas abaixo, cruzei com um vizinho que não consigo descrever e deixei escapar um "bom dia, como vai?". Nem dei importância à ausência do seu feedback! Sabia ir encontrar um dia agitado depois da porta do prédio, e não me podia deter em hesitações.
Enquanto descia a avenida e analisava o meu reflexo nas montras das lojas, não fosse ter trajado algo do lado do avesso, tropecei nuns quantos rostos familiares. A eles sorri e questionei "passou bem?". Alguns espécimes mais distraídos responderam em gestos mecânicos. Talvez até nem me tenham notado.
Outros conhecidos, menos desatentos, devolveram-me a questão com a devida direcção, mas na verdade eu também não lhes ofereci qualquer resposta.
Quando começava a reflectir que naquela manhã ainda não me tinha aberto ao mundo, ou recebido um sinal da sua abertura para comigo, algo fez-me despertar numa maior clarividência. Já quase a chegar ao local de trabalho, avistei a Ana. Sustive-me por alguns segundos na ponderação das minhas obrigações sociais e escolhi esperar para lhe dar um "olá".
Assim que percebeu a minha presença, rasgou o sorriso e acelerou o passo. Enquanto nos cumprimentávamos, deixei escapar um natural "estás boa?", quando quase em simultâneo recebia a questão "como estás?". Em frases apressadas e atropeladas contei-lhe do projecto em que estava envolta e de como andava tão realizada, quanto cansada.
De sorriso solidário, a Ana afagou o meu ânimo com algumas palavras de força e falou-me de si. Entre relatos e histórias breves dos seus sucessos pessoais e profissionais, percebi no seu júbilo quão cristalina estava a sua aura.
Não despendi mais do que dez dos meus preciosos minutos e acabei aquele deleitoso encontro com um suspiro sorridente invejavelmente invejoso. Fiquei feliz pela minha amiga! Mas acima de tudo fiquei surpreendida pelo carácter rejuvenescedor daquela troca de palavras.
Quando me sentei à secretária para começar a organizar o trabalho daquele dia, já nada me soava a aborrecido ou fastidioso! Foi então que fui assaltada por uma questão concreta do meu subconsciente:
Em que altura da nossa vida somos forçados a voltar-nos para o nosso umbigo, acreditando que nunca há tempo para mimar as nossas afeições, ao invés de realmente desejar uma resposta quando saudamos alguém?
@ Voz das Beiras [22.Fev'06]Etiquetas: Crónicas
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