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Disse-se em...
Patrocínios da Voz
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O Valor da Voz:
A Encadear a Voz:
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Ontem fiz uma viagem de comboio, sentando-me num daqueles conjuntos de 4 assentos (dois frente a dois). Não me perguntem porquê, mas desta forma sinto uma estranha proximidade relativa aos outros passageiros.
Uma das coisas que mais gosto nos comboios, para além do conforto, é da oportunidade que damos à nossa imaginação de voar à procura de respostas aos “porquês” dos que nos rodeiam: quem são, para onde vão, de onde vêm… Os que privam comigo sabem que, apesar de não ser distraída, sou muito pouco observadora! Mas em viagens de comboio tento-me numa arrepiante e inevitável necessidade de olhar em volta e “estudar” as pessoas que me rodeiam.
Ouço as colegas de turma que discutem o grau de parvoíce do professor por este ter dado melhor nota à Rita do que à Filipa, quando a primeira claramente se esforçou mais. Atrás vão as duas amigas que comentam que o Ricardo, para além de giro, é inteligente, e está quase, quase, a convidar a Adriana para sair. Ah, Adriana, quanto te invejavam elas! Ao meu lado os colegas de trabalho cúmplices trocam comentários de malícia e mordacidade acerca das mulheres do escritório, olham de esguelha para as miúdas mais giras da carruagem, mandam piropos, olham em volta e envergonham-se quando pousam o seu olhar no meu, que os observa sorridente. Duas velhotas entram na carruagem cheia, e poucos são os que prontamente lhes oferecem o seu lugar. Percebo que o revisor (ou como gostávamos de lhe chamar quando éramos crianças: o pica-bilhetes) gordo, de bigode preto, sisudo e rezingão do passado deu agora lugar a uma jovem no início dos "intas" que desempenha a sua tarefa com toda a simpatia e graciosidade apoiando-se nuns saltos finos de 10 centímetros (os homens não perceberão nunca a perícia necessária para este equilíbrio).
As pessoas entram e saem, renovam-se, dão lugar a cada vez mais pessoas giras e curiosas, e acabo sentada frente a um jovem alto, com ar de metrosexual ¹, que parece atarefado e habitué destas viagens. O telefone dele toca e a conversa gira em torno de uns projectos que deverão ser entregues no dia seguinte para que o chefe os aprove. A avaliar pelas suas palavras e pela enorme pasta preta que carregava consigo, pensei que poderia trabalhar na área de Design ou Arquitectura. De tantas vezes a porta fechar e abrir sentiu-se uma aragem de frio desconfortável, pelo que o meu “companheiro” de viagem espirrou! Prontamente olhei para si e proferi Saúde! Ele devolveu-me o olhar num misto de surpresa e curiosidade, sorriu e disse Obrigado. Voltei às páginas do meu livro – entretanto as observações haviam já terminado – e ouvi-o dizer: «Não é habitual as pessoas darem sinais de sociabilidade enquanto viajam de comboio». Este foi o mote para uma conversa que se estendeu pelos próximos 40kms. Infelizmente percebemos que as pessoas hoje em dia estão de tal modo fechadas sobre si mesmas, que é bem provável que não ouçam o que as rodeia, mesmo quando se trata de um ruidoso e estridente espirro.
De entre as poucas hipóteses apresentadas para justificar e sustentar este egoísmo exacerbado em que nos vemos imersos, deixámos escapar uma pergunta que ficou retida no ar à espera de uma resposta genial:
Em que parte da História Social o pormenor de dizer Saúde àquele que espirra deixou de ser um acto de educação e cordialidade, para passar a ser uma mostra de simpatia pouco usual? _____________________ ¹ Termo originado nos finais dos anos 90, pela junção das palavras metropolitano e heterossexual, sendo uma gíria para um homem heterossexual urbano excessivamente preocupado com a aparência, gastando grande parte do seu tempo e dinheiro em cosméticos, acessórios e roupas de marca. @ Wikipédia Etiquetas: Crónicas
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